segunda-feira, 14 de março de 2011

Hoje, dia 14, se foi...

meu sogro, Seu Rúbio, pessoa encantadora, admirável, distinta. Sinto alegria por tê-lo conhecido, sinto saudades pela sua ida, sinto contentamento por ele ter desejado tanto Morena e ter podido viver com ela alguns momentos de ternura. Fábio perde um grande companheiro e eu me sinto menos protegida e amada nesse mundo de meu Deus.
Semana passada, quando piorou seu estado de saúde, escrevi um texto que coloco agora aqui, como nossa homenagem.Desejamos paz e paz para seu espírito, de tanta grandeza.

* * *

Tenho observado a beleza e a peculiaridade em acompanhar e ajudar nos primeiros passos, nos primeiros gestos, na primeira vez que as pernas ficam firmes, nos primeiros sentar e engatinhar, nas primeiras sílabas e sons balbuciados de alguém. São momentos e aprendizados únicos que seguem pela vida toda. Falo do desenvolvimento de um bebê, falo de minha filha Morena.
E mesmo sendo ela alguém com sete meses de vida, brinco chamando-a de “minha velhinha”. Faço isso pela exibição de sua banguela (agora já tem um milímetro de um dente) e por sua impossibilidade de andar, suas pernas tremulas a cada tentativa de ficar em pé.
Por outro lado, há velhinhos que viram bebês. Dessa possibilidade ouço falar há muito. Minha mãe sempre relatava os casos dessa natureza, informando que fulano ou sicrano ‘virou criança de novo’.
É o ciclo da vida. Triste – se não tivermos bons olhos para entendê-lo.
Quando engravidei, um velhinho em especial ficou muito feliz. Acompanhou-me de perto, sempre com os melhores votos e desejos para mãe e filha. Quando entrei no hospital para ter a menina, que seria sua primeira neta, ele também entrara, por outros motivos, seus, daqueles próprios aos velhinhos que vão virando bebês.
De certa forma, seu sonho de estar aqui para vê-la chegar ao mundo se concretizava. Mas ele só a viu dias depois, por uns poucos minutos, antes de descobrir que seria novamente internado e, dessa vez, passaria meses no hospital.
Em cada vez que esteve ao lado de sua neta, única, o fruto desse mundo a carregar na pele viçosa de quem ainda está preso à arvore, o seu sobrenome, sua história, sua ancestralidade, sua família, ele fez dessa chance o possível para que fosse intensa.
Com suas pernas já sem muita força, suas mãos trêmulas, suas palavras poucas, mas seu grande amor, brincou. Brincaram as crianças – a que ainda é mais a que se transformou. Falaram da vida, trocaram carinhos e besourinhos. Tocaram suas mãos – uma que tanto já sentiu, a outra que só está começando a exercer o tato.
No mais recente encontro o velhinho a viu brincar. Deve ter se encantado. Deve ter se lembrado de como é bom e de quantas vezes fez isso. Não pode pedir para entrar. Ficou de fora, embevecido, com o poder de observação próprio das crianças.
Ontem, ficou ainda mais menino. Desaprendeu a falar. Calou-se. Fez apenas os barulhinhos próprios de sua condição. Sua vida chegava ainda mais perto do começo de tudo. Não a morte. Mas a própria vida.
Igualava-se ao bebê que segue seu caminho, de bebê, sendo Morena; de Gama Alves, sendo neta de Seu Rúbio.
A gente leva da vida, a vida que a gente leva.
E a vida dele foi levada até Fábio, que a levou até Morena.
E por isso ela segue.
E por isso ele segue, criança. Como sempre foi.

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