sábado, 22 de janeiro de 2011

Olha eu sou da pele preta...bem pior pra se aturar... pra se aturar




Chegou a hora de falar sobre isso.
Só depois da polêmica em torno do nome de Morena ficou claro que ao escolhê-lo não pensamos em denominar a cor da nossa filha que, por sinal, nem sabíamos qual seria. Mas o comentário ligando - ou não - uma coisa à outra é geral. Todo mundo insiste em afirmar que colocamos o nome errado, que era para ser Clara, Rosa, tudo. Menos Morena. E eu cansei de explicar, embora vez em quando ainda o faça, que não queríamos dar cor à cor ou nome à cor.
Era só uma menina. Morena.
Após o parto, ouvi logo da enfermeira: "Mãe, sua Morena é rosa".
Quatro dias depois, a enfermeira que furou a orelha da pequena avisou: "Ela será branca. Moreno só o próximo filho. E depois que você parar de amamentar, vão dizer que você é a babá".
Minha sobrinha de doze anos disse: "Tia Waleska, vão pensar que Morena é adotada quando tio Fábio não estiver perto".
Já vivi algumas situações de estar segurando Morena, tendo ao meu lado amigas brancas. Uma delas foi na aplicação de vacina, em Campina Grande. E também no teste da orelhinha, em Brasília. As atendentes só se referiam, só olhavam, só consideravam suas interlocutoras, as minhas amigas. Nunca eu.
Minha irmã acha que exagero. Que não sofro preconceito, que ele não nos atinge. Pois posso citar diariamente situações que mostram o contrário.
E agora estou mais atenta que nunca.
Estava com minha irmã super jovem na praia. Eu segurando Morena na bóia. Minha irmã, na areia. Uma senhora se aproximou e perguntou a ela: "De quem é o bebê? Seu?"
Uma vizinha do meu irmão, onde estava hospedada, perguntou à mãe, ao ver Morena nos meus braços: "Mãe, de quem é essa bebê, tão linda?". No mínimo, ela podia ter perguntado a mim mesma. Mas ela não se dirigiu a mim.
Ora, acho que a primeira impressão quando se vê um bebê nos braços de alguém, é de quem o segura é a mãe. Com exceções. E eu sou uma.
O cúmulo mesmo foi em João Pessoa. Estava na fila de um caixa eletrônico com minha irmã. Morena comigo no sling.
Uma pessoa que estava atrás de nós, olhou atentamente pra minha filha e pra minha irmã. Eu estava sacando a situação. Ela queria se certificar de que eu não era a mãe. Como deve ter tido dúvidas se minha irmã era também, perguntou a mim: "Você é a mãe dela?"
E eu: Sim.
E ela: Oxen, como é que pode você dessa cor ter uma filha branca como essa? Tem até cabelos loiros! Seu marido é branco, é?
E eu: É.
Minha raiva é não ser rápida o suficiente para dar as respostas que me vem depois. Mas um dia eu chego lá.
Meu pai é negro. Minha mãe é branca.
Nós nunca sentimos ou vivemos isso de forma negativa. Acho que nem sequer problematizamos. Não sofremos, não nos envergonhamos. Acho que sequer fomos discriminados num sentido amplo, porque minha mãe era autoridade, meu pai por algum tempo também. Nossa família super conhecida.
Hoje acho que ocupamos lugares que muitos achavam não ser os nossos.
Éramos, queiram ou não, da nata da sociedade campinense. Era o que frequentávamos.
Não por dinheiro mas por merecimento.
Eles tiveram que nos engolir - os 12 do Quilombo dos Barbosa.
Li numa entrevista recente de Djavan, que ele é tímido, caseiro, recluso. A razão? Ele acha que vem da advertência recorrente da mãe: Meu filho, cuidado. Você é negro. Não pode entrar em todo canto.
Já Caetano Veloso, em tudo de novo, canta que a mãe disse um dia pra eu sempre pedir licença, mas nunca deixar de entrar.
Hoje, sinceramente, sinto medo que minha filha lamente por algum momento ter uma mãe da pele preta.
Evoluimos na ciência e na tecnologia.
Mas as mazelas, as bichezas, essas só aumentam.
Deus abençoe minha filha pra que ela só aprenda e só tire o melhor, o mais bonito, o mais altivo, do fato dela ser Morena, filha de uma mistura que vai muito além de mim e Fábio e da cor das nossas peles.

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